quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A atual volatilidade de preço e gerenciamento de risco nas empresas


Imagine que você opera em um mercado no qual o volume de informação é quase nenhum ou muito inferior ao atual, sem telefone, internet, wireless, telefone celular, e-mails ou Google, muito menos um parâmetro de preços atuais ou preços futuros para comprar ou vender qualquer commodity.
Se não conseguir imaginar, agradeça à grande revolução tecnológica e ao aprimoramento dos mercados financeiros ocorridos nas últimas décadas, que facilitam, e muito, a vida de todos nós. Porém, antes que fosse inventado um instrumento de negociação (Bolsas), produtores e consumidores de produtos agrícolas tinham preços totalmente desconhecidos por conta das incertezas e, na falta de parâmetros de preço, era impossível controlar a negociação, devido aos parcos recursos disponíveis e ao escasso conhecimento na época.
Essa ausência de parâmetros deixava o mercado sem direção no momento da safra, quando os agricultores tinham situações de preço abaixo dos custos e, algumas vezes, jogavam produtos fora, devido à baixa rentabilidade e à falta de estrutura de armazenagem. No momento da entressafra, era a vez do consumidor sofrer, tendo que pagar preços altíssimos para não ter sua linha de produção interrompida por falta de produto.
A necessidade de conhecer o preço e seus riscos de variação eram fatores importantes sobre os quais não se tinha controle na época, deixando todos os participantes sem qualquer parâmetro para a tomada de decisão antecipada no mercado. A existência de riscos levou exatamente à criação dos contratos futuros.
Em 1848, em uma reunião, 82 homens discutiram o preço justo do mercado e a instabilidade dos preços. Foi estabelecido um padrão, de acordo com o qual os preços seriam definidos por consenso entre compradores e vendedores de contratos.
Em 1865, foi criada a CBOT – Chicago Board of Trade −, em que era possível realizar negociações de compra e venda de produtos agrícolas no mercado spot (mercado à vista) e também no mercado futuro. A partir daquele momento, compradores e vendedores definiam o preço justo do mercado para seus produtos, podendo comprar ou vender contratos futuros para entrega ou recebimento com prazos, datas e especificações predefinidos. Operações e controles foram aprimorados de acordo com as necessidades, tais como a criação do mercado de derivativos. Nesse momento, foi criada uma das maiores e mais importantes bolsas de mercadorias em negociações no mundo.
Com o aprimoramento dos mercados, foram criadas as opções − um importante instrumento de operações utilizado no mercado de bolsa −, uma vez que dão flexibilidade e garantem um piso ou teto de preço, pagando um prêmio por isso e ainda participando da variação do mercado, seja ela qual for. Pense no seguro de automóvel, é bastante semelhante.
Várias décadas depois, o mercado se encontra em um estágio muito mais avançado. Hedgers e especuladores, fundos index, de pensão, bancos, seguradoras, agentes financeiros e muitos outros operadores do mercado disputam dia a dia qual o preço “justo” para as commodities. Esse aumento no número de participantes implica volatilidade e, consequentemente, muito mais riscos e incertezas em relação às margens das empresas.
A bolsa possui dois tipos de operadores: hedgers e especuladores. Os hedgers procuram diariamente o instrumento de Bolsa para proteção de seus ativos e para transferência de risco diário de suas posições, diferentemente dos especuladores, que estão todos os dias no mercado buscando aproveitar a volatilidade dos preços para obter os lucros das posições. Estes geralmente trazem maior liquidez ao mercado, devido ao forte volume operado.
Esse é o cenário que vivenciamos atualmente, em que nem sempre os fatores fundamentais de mercado (oferta, demanda, clima, política) ditam o nível de preço “justo” de mercado, deixando todos os agentes que não possuem uma estrutura de gerenciamento de riscos desconfortáveis em relação a seus objetivos de compra pré-determinados em seu orçamento.
O mundo vive hoje o maior processo de globalização da história, no qual podemos comprar e vender produtos do mundo inteiro, a qualquer hora do dia, com negociações em Bolsa praticamente 24 horas e parâmetros de preços disponíveis a toda hora, o que exige cada vez mais conhecimento, rapidez, agilidade e um planejamento estratégico montado para tomada de decisão no momento adequado.
Para os produtos agrícolas, podemos sentir essa globalização avançando muito rapidamente em termos de preço. Citemos a soja e seu complexo como exemplo: uma quebra de safra ou um aumento considerável na produção em importantes países produtores podem levar a um impacto muito forte nos preços, o que muitas vezes afeta os preços de compra das empresas, eliminando assim sua competitividade no mercado ou impactando diretamente suas margens.
Como vimos ultimamente, a volatilidade do mercado foi muito alta e pode se repetir por muito tempo durante os próximos anos. Os operadores de mercado (especuladores) buscam, de forma crescente, maior rentabilidade em seus investimentos em relação a outros. Vejam os gráficos de variação e volatilidade no mercado.
Acompanhamos nos últimos anos a maior volatilidade dos preços da história, com o farelo de soja saindo de US$ 250 para US$ 420/tonelada, o milho de R$ 18 para R$ 32/saca, o dólar de R$ 1,60 para R$ 2,50. Será que as empresas, toda vez que tinham que pagar um valor extra para compra das matérias-primas, conseguiam repassar a seus compradores? Qual foi o impacto dessa variação sobre os negócios das empresas e suas margens operacionais? Esse impacto nos preços poderia ser menor se as empresas utilizassem toda a estrutura disponível para hedge no mercado?
Como descrito acima, vivemos em um mundo dinâmico, onde as operações e alterações de preços fogem totalmente ao controle das empresas, as quais estão frequentemente focadas em sua linha de produção e não atentam para um gerenciamento efetivo do risco de uma das importantes fases da produção, a compra de matéria-prima. Atualmente, em uma realidade de mercado aberto, praticamente todas as empresas conhecem os preços de compra e os preços de venda de seus concorrentes e, muitas vezes, o grande diferencial de cada uma está em sua estratégia utilizada de hedge, se antecipando ao mercado físico ou futuro e aproveitando os recursos disponíveis para isso.
Muitas empresas possuem sistemas de cotações, acompanham diariamente as variações de preços de farelo de soja, de milho, de dólar e de tantas outras commodities, mas o que estão efetivamente fazendo para ter um controle efetivo sobre a compra desses produtos? Estariam essas empresas utilizando todos os recursos citados a seu favor, seja para garantia de um preço efetivo de seu orçamento, seja para a margem de lucro esperada, ou para ser mais competitivo e aumentar sua parcela no mercado?
Diversas empresas sofreram com as variações de mercado nos últimos anos, algumas por não fazerem nada para gerir esse risco, outras por utilizarem esse recurso de forma indevida
Nos últimos anos, com a experiência que temos no mercado brasileiro, pudemos observar e sentir alguma relutância por parte das empresas em relação à tomada de hedge. Algumas, por falta de conhecimento, outras por falta de capital humano disponível, outras como “desculpa” pelas necessidades financeiras ou por medo, uma vez que, por conta da crise, ouviram muito sobre Bolsa e mercado de derivativos nos últimos meses. Na maioria dos casos, verificamos que o custo das estruturas para operações em Bolsa sempre será muito menor em relação às variações do mercado, em que, no momento da compra, o comprador assume toda essa variação, por vezes colocando em risco o patrimônio da empresa.
Após a crise financeira iniciada em setembro de 2008, o mercado sente que as empresas estão muito mais abertas para esse novo fato, o gerenciamento dos riscos envolvidos em sua atividade, seja produtor, consumidor, cooperativa ou cerealista, e o risco de mercado envolvido (soja em grão, farelo, óleo, açúcar, milho, dólar, etc).
Diversas empresas sofreram com as variações de mercado nos últimos anos, algumas por não fazerem nada para gerir esse risco, outras por utilizarem esse recurso de forma indevida em relação a sua atividade principal (especulação).
Com tudo isso, é cada vez mais comum observar a adoção, implantação e execução de políticas de gerenciamento de risco pelas empresas, visando avaliar e quantificar todos os riscos dos mercados de matériaprima e financeiros, segregar esses riscos hierarquicamente e utilizar todos os instrumentos disponíveis de hedge, quando for necessário. Esse é talvez um dos recursos mais inteligentes em implementação pelas empresas atualmente, uma vez que protege todos os envolvidos contra uma variação brusca do mercado, que impactaria diretamente no preço de compra, reduzindo assim suas margens e, em alguns casos, como observado nos últimos anos, afetando o patrimônio líquido da empresa e dos sócios.
Parece irreal, mas infelizmente ainda há muitas empresas no Brasil que, apesar de terem à disposição todos os recursos para a tomada de proteção de preços, trabalham como se a realidade fosse aquela descrita no começo deste texto, com uma grande diferença: naquela realidade não havia nenhum recurso disponível e, hoje, as empresas têm acesso a todo tipo de informação, porém continuam à mercê de variações do mercado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário